Acordo Ortográfico

sábado, setembro 24, 2005

A UNIFICAÇÃO ORTOGRÁFICA DA LÍNGUA PORTUGUESA

Muito se tem ouvido falar em “unificação da língua portuguesa”. No entanto, essa é uma afirmação um tanto equivocada. O que está para entrar em vigor, mas ainda não se sabe quando, é um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
O português, atualmente falado em quatro continentes por 210 milhões de falantes, é a língua ocidental mais falada após o inglês e o espanhol. É, ainda, a única língua falada por mais de 100 milhões de pessoas que possui duas ortografias. O espanhol, que apresenta dezenas de variações de pronúncia na Espanha e América hispânica e que é falado em vários países, possui apenas uma ortografia.
A existência de duas ortografias, a lusitana e a brasileira, é prejudicial à unidade do idioma, pois dificulta sua divulgação e sua aceitação em constituições internacionais. No intuito de reverter tal situação, a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa elaboraram, ao longo da década de 80, com a participação de filólogos e representantes da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)1, um Acordo Ortográfico. Assinado, em 16 de dezembro de 1990, por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, o Acordo previa que sua entrada em vigor deveria acontecer em 1º de janeiro de 1994, após o depósito dos instrumentos de ratificação de todos os Estados junto ao governo da República Portuguesa. Como a maior parte dos países-membros não conseguiu ratificar o Acordo Ortográfico dentro do prazo previsto, os chefes de Estado e de Governo dos países-membros da CPLP assinaram, em 17 de Julho de 1998, um Protocolo Modificativo. O documento faculta a Timor Leste, mais recente membro da comunidade, a possibilidade de aderir ao Acordo Ortográfico, mas não menciona data para que entre em vigor.
Segundo o embaixador Luís de Matos Monteiro da Fonseca, secretário executivo da CPLP, natural de Santo Antão - Cabo Verde, em entrevista concedida à revista Marketing de 1º de agosto de 20032, o Acordo Ortográfico já foi ratificado por Brasil e Portugal. “Quem ainda não se decidiu a fazê-lo foram os países africanos de língua portuguesa, que se ressentem de uma presença pouco relevante da modalidade africana do Português na concepção original do Acordo. O problema está em que o Acordo estabelece que sua entrada em vigor somente ocorrerá quando todos os países da CPLP o ratificarem, e esse processo talvez venha a ser demorado”, completa o embaixador.
A escrita padronizada para todos os usuários do português foi desenvolvida por Antonio Houaiss3. Falecido em março de 1999, o filólogo considerava importante que todos os países lusófonos tivessem uma mesma ortografia. No seu livro Sugestões para uma política da língua (1960), ele defende a essência de embasamentos comuns na variedade do português falado no Brasil e em Portugal.
Com as modificações previstas no Acordo, calcula-se que será atingido 1,6% do vocabulário de Portugal e 0,45% do Brasil. Desaparecem da língua escrita, em Portugal, as letras "c" e "p" nas palavras em que não são pronunciadas, como em acção, acto, actor, mas permanecem em palavras como compacto, convicto e egípcio. É consagrada a dupla grafia para palavras escritas e pronunciadas de maneira diferente em Portugal e no Brasil, por exemplo, aspeto e aspecto, facto e fato. Caem os acentos agudos dos ditongos orais abertos em “éi”, exemplo: assembléia e idéia passam a assembleia e ideia. Caem os acentos diferenciais para as palavras homófonas, por exemplo: "pára" do verbo parar e "para" preposição; "pêlo" substantivo e "pelo" contração. Caem os circunflexos das paroxítonas terminadas em "o" duplo: abençôo, enjôo passam para abençoo, enjoo. É aceita a dupla acentuação para as palavras que têm acento circunflexo no Brasil e agudo em Portugal. Exemplo: bebê e bebé, matinê e matiné, fêmur e fêmur. Desaparece totalmente o trema: lingüiça, seqüência, freqüência passam a linguiça, sequência, freqüência.
Permanece o hífen antes das palavras que começam com "h", como em anti-higiênico, pré-histórico, anti-heróico e antes das palavras que começam com a última letra do prefixo, como contra-almirante, hiper-resistente, pré-escolar, anti-imperialismo. Cai, em Portugal, o hífen em palavras formadas com os prefixos "de" e "in", mesmo nas que começam por "h": desumano, desidratado, inábil, inumano. As letras "k", "w" e "y" passam a ser oficialmente incorporadas ao alfabeto da língua portuguesa, que passa a ter 26 letras.
As diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal não se limitam à grafia das palavras. Um brasileiro, quando vai a Portugal, fica perdido diante de muitas palavras que têm a mesma grafia e pronúncia que no Brasil, mas possuem significado diferente4; por exemplo, no Brasil, banheiro significa cômodo de banho, em Portugal é a designação para um salva-vidas. Cueca no Brasil é peça íntima masculina, em Portugal, por sua vez, o nome cueca é usado para designar tanto a peça íntima masculina quanto a feminina, então se deduz que homens e mulheres portugueses usam "cuecas". Ademais, existem outras diferenças, no Brasil usa-se a forma você, em Portugal usam o pronome vós: “se eu fizer para você” e “se eu vos fizer”. Há, ainda, segundo Flaviane Romani Fernandes (2001), a diferença na pronúncia. O ritmo do português brasileiro estrutura-se em torno das sílabas, é denominado silábico, enquanto o português lusitano estrutura-se em torno do acento, denominando-se ritmo acentual.
Com todas essas diferenças, e sabendo que acontecerá unificação apenas da ortografia, é errado dizer unificação da língua portuguesa. Para que houvesse unificação da língua seria necessária uma série de modificações, o que é difícil acontecer. Mesmo a unificação da ortografia só será válida para a língua escrita, pois a língua falada apresenta, segundo Ferdinand de Saussure (1973), características individuais, que variam de pessoa para pessoa.

1 Sites sobre a CPLP e o acordo ortográfico: www.cplp.org www.cplp.net
2
Entrevista concedida à revista Marketing – 01 de Agosto de 2003. Disponível em: http://www.cplp.org
3 Houaiss foi tradutor, crítico, escritor, lexicógrafo, diplomata, membro da Academia de Ciência de Lisboa, presidente da Academia Brasileira de Letras e Ministro da Cultura.Informações sobre Antônio Houaiss disponíveis em:
http://www.dicionariohouaiss.com.br/instituto.asp
4 Diferenças entre o português do Brasil e o português de Portugal podem ser encontradas em
http://www.portugues.com.br

REFERÊNCIAS


SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 1973.

FERNANDES, Flaviane Romani. O papel do ritmo nas escolhas léxico-sintáticas em português europeu e em português brasileiro.
Disponível em: